terça-feira, 9 de setembro de 2014

Debaixo dos caracóis dos meus cabelos...


Toda mulher tem uma história para contar sobre os seus cabelos. Principalmente, nós, negras e mestiças. Eu mudei meu visual e estou muito feliz! Estou de corte novo, cabelos encaracolados e renovadíssima. Decidi voltar a usar os meus cabelos naturais, como ele é realmente: crespo e encaracolado!  E estou em  processo de transição, que corresponde ao período em que você para de usar quimicas de alisamento, relaxamento e progressivas até voltar o cabelo todo ao natural.  Há cinco meses  venho  usando apenas tratamentos naturais e  adequados, que valorizam a beleza do cabelo crespo, cacheado e afro.

Falar sobre isso aqui no blog é muito importante porque sei que tem muita gente procurando o mesmo. Nós, as encaracoladas, somos a maioria no Brasil! Descendentes de negros, índios e brancos, somos um belo retrato da diversidade humana. Mas precisamos, antes de tudo, nos conhecer,  nos entender,  nos aceitar e, fundamentalmente, valorizar quem somos!  

Por isso, eu quero compartilhar com vocês um pouquinho da minha história. Desde criança eu gosto de cachos nos meus cabelos. Sempre admirei este efeito de volume na cabeça das pessoas. Eu mesma tinha pequenos caracóis que foram sendo modificados com o tempo, com químicas para alisamento, relaxamento e mais recentemente  com as progressivas que esticam o cabelo até a ponta,  passando a prancha várias vezes até retirar qualquer vestígio de anelado. Sim, eu me submetia a isso. E durante vários anos eu fui uma outra pessoa, não eu mesma!

Quando eu era adolescente não gostava do meu cabelo e as pessoas a minha volta também não. Isso porque  o padrão imposto pela sociedade é ter cabelo liso. Imposto  pela propaganda e publicidade,  TV, escola, mundo do trabalho e, principalmente, pelo preconceito racial no Brasil.

 As pessoas de uma forma geral  sempre criticam o cabelo crespo, encaracolado e ondulado dizendo que ele é ruim, feio, seco e duro. E eu sou filha de cabeleireira, imagina! A pressão para alisar era grande! Embora minha mãe também gostasse de cachos, o que mandava na cartilha das cabeleireiras da sua época era alisar os crespos! E dá-lhe químicas, escova, secador!

Hoje em dia, os cabeleireiros, em sua maioria, continuam seguindo a mesma cartilha de alisar. E não oferecem outra opção para os cabelos cacheados a não ser alisar com progressiva, fazer escova e  passar prancha! Para ficar todo mundo de cabelo bem esticado e fake! E eu que odeio prancha e cabelos lisos e esticados, convivi anos com este mundo do estica e puxa. E, simplesmente, odiava ir ao cabeleireiro após a aposentadoria da minha mãe. Porque todos eles  não sabiam escovar direito ou arrumar direito os meus cabelos, salvos alguns poucos, que faziam uma escova modelada, o resto só queria secar reto  e pranchar! Deus me Livre! Saía correndo!

 Bem, quem é crespa  encaracolada sabe que este processo todo de alisa e estica significa um chute na nossa autoestima. E você acaba preferindo ter um cabelo artificial, mutante,  que não tem a ver com você, do que ficar com ele natural. O cabelo liso fake nunca fez a minha cabeça, mas também nunca tive coragem de parar com as químicas. Então era melhor ser alisada, esticada, fake, do que ser crespa, cacheada  e volumosa. Graças a Deus, finalmente, eu me livrei disso!

Quando a gente para para pensar e refletir vê que há uma forte relação de dominação e subjugação nisto tudo, de imposição de padrões brancos numa sociedade majoritariamente formada por negros e miscigenados como a brasileira. As raízes da nossa escravidão, em relação aos processos químicos de alisamento, está diretamente ligada ao nosso histórico escravocrata de 400 anos e de exclusão social há mais de 100 anos, que, até os dias de hoje, ainda separa veladamente os negros dos brancos, induzindo a todos aos processos de branqueamento via cabelos alisados como forma de aceitação social. O preconceito é racial e de classe também. E isso tudo precisa mudar urgentemente!

Autoimagem
Há alguns anos venho procurando meios de adequar a minha imagem visual a minha identidade pessoal, aos meus valores, a minha essência, a mim mesma. Porque sempre soube que os meus cabelos lisos fake não eram adequados. Por mais que eles estivessem bonitos lisos e escovados, modelados e com brilho etc e tal, eu realmente me sentia fake, não sentia que era eu mesma. Eu não curtia de verdade meu cabelo e sempre estava mudando. Nos últimos  meses, principalmente, eu vivia de cabelo preso,  pois não estava mais suportando a minha própria imagem.  Os meus cabelos ultralisos de progressiva não tinham nada a ver comigo e resolver isto era uma coisa urgente, para ontem, questão  de vida ou de morte.

Minhas pesquisas
Eu comecei tudo em 2011, quando  fiz  dois cursos de consultoria de imagem. De lá pra cá, estudei, li bastante e pesquisei  muito na internet.  Em 2013, quando cheguei em Dublin continuei pesquisando sobre cabelos, mas tive que voltar a fazer progressiva, pois simplesmente não encontrei aqui nenhuma alternativa de tratamento mais suave.  Mas desde o ano passado,  eu também  comecei a experimentar algumas coisas diferentes, por conta própria em casa. Comecei a usar produtos totalmente naturais e tentei  cortar meu cabelo sozinha! Enfim, a vontade de mudar era grande!  Neste meio tempo  fui  encontrando  alternativas muito boas para cuidar dos meus cabelos! Sem agredí-los, sem humilhá-los, apenas  tratando-os com carinho  e valorizando suas ondas! Descobri  que é possível  ter um cabelo natural macio, com brilho, com cachos definidos e sem frizz! Olha que maravilha! 

O  corte
Há poucos meses  decidi intensificar minhas buscas para encontrar um cabeleireiro  especializado em cachos aqui em Dublin. E não é que eu achei!  Encontrei o The Curl Look e fiz um corte incrível, leve, moderno, versátil, o qual sempre sonhei fazer. E me apaixonei novamente pelos meus cabelos.  Agora, realmente, eu posso dizer que completei a minha própria consultoria de imagem.  Porque ser natural, ser você mesma, se amar, ter autoestima elevada não tem preço! Minha identidade e meu cabelo finalmente estão alinhados e estou muito bem!

Expressão
O meu caminho foi de muita pesquisa, busca de informações na internet, nas redes sociais  e conversas com as pessoas. Muitas vezes, eu me peguei  pensando porque eu estava gastando tanto tempo procurando por isso: uma forma de cuidar e valorizar meus cabelos naturais? Não era uma questão meramente de estética, de ficar bonita, de inflar o meu ego. Não! Não mesmo! Cuidar do nosso cabelo é cuidar da nossa identidade, de deixá-lo livre e a vontade para ser o que é, sem padronizações, imposições e multilamentos. Cabelo é mais que estética, ele é o elo mais forte entre você e a sua identidade. É uma forma de expressão, de mostrar quem você é, o que você acredita, suas ideias, seus valores, seu astral, seu estilo de vida!

Encrespando geral
Ao entrar neste mundo maravilhoso dos cabelos encaracolados descobri que eu não estava sozinha, que são muitas, aliás, milhões de mulheres e também de homens, que querem assumir seus cabelos e  a sua beleza natural. Na internet você pode encontrar milhares de blogs, sites e canais no youtube de gente compartilhando suas técnicas, suas alegrias,  dificuldades e experiências em processos de transição. Também fiquei conhecendo o movimento Encrespa Geral  que começou no Brasil e já se espalhou pelo mundo, e agora também será realizado aqui em Dublin, no próximo sábado, dia 13 de setembro.  A ideia é super bacana, discutir sobre cabelo e identidade, trocar experiências,  dicas de  cuidados com o cabelo e como enfrentar o racismo da sociedade.

Saiba mais informações sobre o Encrespa Geral Dublin na página do grupo “Cacheadas e Crespas na Irlanda” no Facebook: https://www.facebook.com/groups/233996176786440/?fref=ts

No Brasil, a terceira edição do Encrespa Geral acontece de setembro a novembro. Em Belo Horizonte, será dia 19 de outubro. Para conferir todas as as cidades e datas de realização dos eventos você pode acessar a página do Encrespa Geral – Comunidade : https://www.facebook.com/ENCRESPAGERAL?fref=ts

O movimento para  encrespar  é grande, animado e bem coeso! Não é modismo não! Para mim tudo foi se encaixando, se tornando uma grande inspiração e agora uma grande conspiração para eu realmente me aceitar, me amar profundamente e cultivar minha verdadeira  imagem.

Todo poder ao Black! Vida longa aos cachos!



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